sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

23 Fev. Recital de canto e piano 18h Av Luisa Todi 99

     Piano Joana Resende;    Soprano Ana Maria Pinto (acordai)


O programa que ora se apresenta revolve em torno do escritor e poeta micaelense Antero de Quental (1842-1891). Considerado uma das figuras de proa da chamada Geração de 70 (que compreendia, para além de Quental, outros nomes como Eça de Queiroz ou Oliveira Martins), a sua poesia oscila entre um espírito de combate, centrado no elogio das capacidades e acção do Homem, e um espírito mais intimista focado numa individualidade angustiada.


A paixão de Luís de Freitas Branco (1890-1955) pela obra literária de Antero está patente ao longo de toda a sua obra musical. Inicia esta ligação em 1907, com o poema sinfónico Antero de Quental. Já no final da vida, regressa à temática anteriana com Solemnia Verba, poema sinfónico escrito entre 1950 e 1951. Entre 1907 e 1951 surgem dois ciclos de canções sobre poemas de Antero de Quental, já numa fase avançada da sua vida. Apesar de já em 1932 o Hino à Razão sobre o poema com o mesmo título de Antero, o primeiro desses ciclos aparece anos mais tarde, em 1934, intitulando-se Três Sonetos de Antero, para canto e acompanhamento de piano. O ciclo, como o título indica, compõe-se de três canções, tomando estas os títulos dos respectivos sonetos de Antero de Quental: A Sulanita, Idílio e Sonho Oriental. Dedicado “à Maria Helena”, o ciclo foi estreado a 26 de Março de 1953 no Teatro Rivoli, pela soprano Mina Braga, tendo ao piano o compositor. Este grupo de obras mostra uma face mais intimista de Freitas Branco, que atinge uma autêntica dimensão metafísica no segundo ciclo de canções anterianas: A ideia. Este ciclo inicia-se em 1937, com a escrita de Conquista Pois Sozinho (4) juntando-se-lhe em 1943 as restantes sete canções: Pois que os Deuses (1), Pálido Cristo (2), Força é Pois (3), Mas a Ideia Quem é? (5), Outra Amante não Há! (6), Oh, o Noivado Bárbaro! (7), e Lá! Mas Onde é Lá? (8). Este ciclo foi estreado a 24 de Janeiro de 1949 na Sociedade Nacional de Belas-Artes, num dos concertos promovidos pela célebre Sociedade de Concertos “Sonata”, pela soprano Arminda Correia, tendo ao piano o compositor Fernando Lopes Graça. A Ideia é talvez um dos melhores resultados da transposição musical de conceitos filosóficos na obra de Freitas Branco, sendo uma das suas mais modernas e profundas criações.     
A importância de Franz Schubert (1797-1828), segundo compositor representado neste programa, para o estabelecimento e desenvolvimento do lied é inegável. Autor de mais de seiscentas canções, Schubert fundiu poesia e música com mestria única assim como inevitável, transpondo este género, originário de um ambiente popular, para um plano central no mundo erudito. Erster Verlust D 226, (“Primeira Perda”) sobre poema de Johann W. von Goethe (1749-1832), terá sido escrita no Verão de 1815, tendo como tema principal a nostalgia, um desejo que nunca poderá ser amenizado e uma falta que nunca poderá ser compensada, tendo como dois motores principais a perda e o remorso. Suleika D 720/717, são duas canções escritas na Primavera de 1821 que têm por base Das Buch Suleika de Goethe, subsistindo dúvidas quanto à autoria dois poemas escolhidos por Schubert. Estas duas canções (especialmente a primeira) são consideradas como marcos na escrita de lied durante o século XIX. O poema de Suleika I foi escrito por volta de 1815, pouco tempo antes de Goethe ter conhecido Marianne Von Willemer em Heidelberg, tendo o segundo poema sido escrito após o término do romance entre os dois. Schubert capta eficazmente os dois sentimentos opostos expressos no texto. Contudo, a segunda canção mantém uma réstia de esperança no reencontro do par amoroso, pelo uso da tonalidade de Si bemol maior que aparece recorrentemente ao longo da canção.   
A Sonata para Piano em Si bemol maior N.º 21 D 960, escrita durante o último ano de vida de Schubert, transporta-nos para as temáticas românticas do maravilhoso, do terror e do temor. O segundo andamento, Andante sostenuto, em Dó sustenido menor, é dominada por uma melodia que se desenvolve um motivo recorrente que, pelo silêncio no segundo tempo, faz lembrar uma canção popular austríaca. Este é um dos mais conseguidos segundos andamentos em todas as sonatas que escreveu. Ganymed D 544 integra as setenta canções escritas por Schubert em 1817. Apesar do nome corresponder à mitologia grega, Goethe não lhe faz referência, centrando-se na beleza da natureza a adoração do divino. A canção é dividida em várias secções, com um acompanhamento distinto em cada secção, captando a essência do poema. An Schwager Kronos D 369, de 1816, conta uma viagem fascinante: um passageiro grita ao condutor – Cronos – para conduzir mais depressa, pois este deseja entrar na vida o mais depressa possível. Após o escurecer, o passageiro grita novamente ao condutor, para soar a sua corneta e o conduzir às profundezas do inferno. Schubert capta estas flutuações emotivas do poema de Goethe. Fá-lo através de um acompanhamento incessante e electrizante, permitindo um desenrolar episódico do texto. Após uma breve recapitulação do tema inicial, o piano descreve o tocar da corneta.    
Frühlingsglaube D 686, sobre poema de Ludwig Uhland (1787-1862), foi escrita entre 1820 e 1822. O poema de Uhland celebra a Primavera e a necessária e inevitável necessidade de renascimento que traz todos os anos. O acompanhamento divide-se em sextinas na mão esquerda e ritmos pontilhados na mão direita, que chocam com as sextinas. A parte vocal é inicialmente uma ágil variação da introdução do piano, contendo a segunda parte alguma ornamentação escrita. Escrita em 1817, sobre poema de Franz von Schober (1796-1882), ressalta imediatamente em An Die Musik D 547 a sua melodia de carácter lamentoso que salta melancolicamente sobre os vários acordes do acompanhamento. Este acompanhamento simples mantém uma persistência rítmica, tendo um baixo que se move por baixo da textura harmónica. Nesta canção, a sua forma estrófica dá-lhe uma maior força em termos de carácter: uma vez que a música é a temática tratada no texto, não existe uma necessidade tão grande (como acontece nas outras canções deste programa) da música se adaptar ao texto; a paisagem musical basta-se a si mesma. Der Musensohn D 764 (“A Canção das Musas”), de 1822, é uma das suas canções mais populares, provavelmente devido ao andamento ternário num jeito de valsa. A sua insinuante melodia, a alternância entre Sol maior e Si maior e o ar de êxtase fácil ilustra uma face de Schubert que os públicos desejam ser a quintessência de um grande compositor. Esta canção tem um carácter alegre. Mas, mesmo nesta intoxicação de alegria, através de um ritardando (sob a passagem “encontrarei descanso”), Schubert transmite um dos pontos que caracterizam toda a sua obra: até mesmo nos trechos mais alegres, paira sempre no ar uma ligeira nuvem de tristeza, de escuridão.  Luís C. F. Henriques | www.luiscfhenriques.com

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